sábado, 10 de dezembro de 2011

De "O Corcunda de Notre Dame"

O Arcediago, contando de como era feliz antes de conhecer a cigana Esmeralda: "...Não me interrompas. - Sim, era feliz, pensava sê-lo, pelo menos. Era puro, tinha a alma cheia duma claridade límpida. Não havia fronte que se erguesse mais altiva nem mais radiosa que a minha. Os padres consultavam-me sobre a castidade, os doutores sobre a doutrina. Sim, a ciência era tudo para mim; era uma irmã, e essa irmã bastava-me. Não quer dizer que com a idade não me viessem outras idéias. Por mais de uma vez a minha carne se emocionara com a passagem duma forma de mulher. A força do sexo e do sangue do homem, que, louco adolescente, julgara ter sufocado por toda a vida, tinham por mais de uma vez soerguido convulsivamente a cadeia de votos de ferro que me prendem, miserável, às frias pedras do altar. Mas o jejum, a oração, o estudo, as macerações do claustro, tinham conseguido tornar a alma senhora do corpo. Depois, fugia das mulheres. Bastava-me abrir um livro para que todos os impuros fumos do meu cérebro se dissipassem, perante o esplendor da ciência."

E depois de conhecê-la:..."Eu vou cair sobre estas pedras se não tens piedade de mim, piedade de ti. Não nos condenes a ambos. Se soubesses quanto eu te amo! Que coração palpita aqui no meu peito! Oh! Que deserção de toda a virtude! Que abandono desesperado de mim mesmo! Doutor, ultrajo a ciência; nobre, quebro o meu brasão; padre, faço do missal um travesseiro de luxúria, escarro no rosto do meu Deus! Tudo isto por tua causa, encantadora! Para ser mais digno do teu inferno!"

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