segunda-feira, 25 de junho de 2012

Deliciosas frases de "Senhora"

Minha resenha sobre "Senhora" de José de Alencar, também disponível no Skoob:

"Inverossímel, mas Agradável"


Da virgem dos lábios de mel para este livro, quase outro autor, com um senso apurado nos diálogos e um estilo (ainda) formal, mas menos pomposo.

A agudeza de suas descrições deixa os ambientes e passa aos costumes da vida social no Rio de Janeiro. É dai que surge a fraqueza do livro, em minha humilde opinião.

Aurélia, a "Senhora" do título, aos 18 anos, por ter passado pela situação de pobreza e riqueza, é estranhamente madura e planeja um ardiloso plano para "vingar-se" de seu único amor, ou como sugere o próprio autor, deixar-lhe patente a grandeza de seu amor por um supremo sacrifício do destino. A mesma consciência das situações, inteligência e sagacidade nos diálogos com Seixas (o amado) contradizem que caia numa vingança tão vil, ainda que fosse inconsciente desejo de viver a seu lado.

Ainda assim, é o tipo de romance que gosto, pois nos agarra à história e pede leitura até sua conclusão.

Trechos selecionados:
"Felizmente D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma vigorosa educação que recebera; antiga educação brasileira, já bem rara em nossos dias, que, se não fazia donzelas românticas, preparava a mulher para as sublimes abnegações que protegem a família e faze da humilde casa um santuário."

"Ouviu-se um frolido de sedas, e Aurélia Assomou na porta do salão.
Trazia nessa noite um vestido de nobreza opala, que assentava-lhe admiravelmente, debuxando como uma luva o formoso busto. Com as rutilações da seda que ondeava ao reflexo das luzes, tornavam-se ainda mais suaves as inflexões harmoniosas do talhe sedutor.
Como que banhava-se essa estátua voluptuosa, em um gás de leite e fragrância.
Seus opulentos cabelos colhidos na nuca por uma diadema de opalas, borbotavam em cascatas sobre as alvas espáduas bombeadas, com uma elegante simplicidade e garbo original que a arte não pode dar, ainda que o imite, e que só a própria natureza incute."

"Os lindos cabelos negros refluíam-lhe pelos ombros presos apenas com o arco de ouro, que cingia-lhe a opulenta madeixa; o pé escondia-se em um pantufo de cetim que às vezes beliscava a orla da anágua, como um travesso beija-flor."

"Parecerá estranha esta paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.
Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos,. porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ningém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos".



"Quando Aurélia diberara o casamento que veio a realizar, não se inspirou em um cálculo de vingança. Sua idéia, a que afagava e lhe sorria, era patentear a seixas a imensidade da paixão, que ele não soubera compreender; sacrificando sua liberdade e todas as esperanças para unir-se a um homem a quem não amava e nem podia amar, desnudava a seus olhos o ermo sáfaro em que lhe ficara a alma, depois da perda desse amor, que era toda sua existência. Esse casamento póstumo de um amor extinto não era senão esplêndido funeral, em face do qual Seixas devia sentir-se mesquinho e ridículo, como em face da essa o soberbo compenetra-se da miséria humana."

"Aurélia cerrara as pálpebras, e atirara de novo a cabeça sobre a almofada, com esse delicioso abandono, em que o corpo remite-se depois de um excessivo exercício. Fernando na mesma posição contemplava a formosa mulher, que ele tinha ali, palpitante sob o seu olhar e ao contato do peito onde fervilhavam os frocos de renda do talhe do vestido, aflorando ao vivo ofego da respiração."

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Mais uma resenha do Skoob

Estou tentando colocar um comentário e trechos selecionados de cada livro da biblioteca daqui.
Abaixo, O CORTIÇO, de Aluísio Azevedo

Lido à época dos "livros obrigatórios" do ensino médio, não tinha me chamado a atenção .Desta vez, relido para as resenhas do skoob, foi um verdadeiro prazer passar pelas páginas deste livro. Destaque para o trecho selecionado em negrito, abaixo:

Muito boa a capacidade de descrição do ambiente e o ritmo que consegue manter durante a história. Praticamente, você não consegue se desgrudar do livro. Sempre acontece alguma coisa, ou se introduz uma personagem importante e interessante. Como destaque negativo, a edição da "Ática", que é de baixa qualidade. Acho que o foco é que seja barata. Desmontou na minha mão, e tem espaço entre linhas bastante desconfortável.

Trechos selecionados:

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

A roupa lavada, que ficara de v[espera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite..."

"Jerônimo não precisou de mais nada para beber de um trago os dois dedos de restilo que havia no copo.

Sóbrio como era, e depois daquele dispêndio de suor, o álcool produziu-lhe logo de pronto o feito voluptuoso e agradável da embriaguez nos que não são bêbedos: um delicioso desfalecer de todo o corpo; alguma coisa do longo espreguiçamento que antecede à satisfação dos sexos, quando a mulher, tendo feito esperar por ela algum tempo, aproxima-se afinal de nós, numa avidez gulosa de beijos."

"E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e desde que o café encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo, e não tardou a fumar também com os amigos."

"Pombinha, impressionada pela transformação da voz dele, levantou o rosto e viu que as lágrimas lhe desfilavam duas a duas, três a três, pela cara, indo afogar-se-lhe na moita cerdosa das barbas. E, coisa estranha, ela, que escrevera tantas cartas naquelas mesmas condições; que tantas vezes presenciara o choro rude de outros muitos trabalhadores do cortiço, sobressaltava-se agora com os desalentados soluções do ferreiro.Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em seu pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea.(...)Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto , que os infelizes, carregados de desonra e de ludibrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...E surgiu-lhe então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.Sorriu.E no seu sorriso já havia garras."(...)E continuou a sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto fora posto no mundo simplesmente para servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar dea sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império, endeusada e querida, prodigalizando martírios que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.(...)E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de machos e fêmeas a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-lhe uns aos outros. E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas de sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, num exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia..."