Um caso de filme melhor do que o livro?
Foi pela atração pelo trabalho e figura da atriz Emma
Thompson que um dia escolhi assistir “Razão e Sensibilidade”, filme do diretor
Ang Lee. Daí a assistir outros filmes sobre os modos ingleses antigos (Howards
End, Vestigios do Dia e mesmo o Orgulho e Preconceito, da mesma autora), foi um
pulo. Ela foi a roteirista do filme, e não por acaso, poderei ser acusado de
defender sua versão da história – considerando-a melhor que a de Jane Austen.
Vou me arriscar nesta resenha. Ao terminar a leitura de
Razão e Sensibilidade, que gostei tanto no cinema, confesso que achei infundada
a legião de fãs que a autora reúne. Não achei o livro muito bom.
Não sei se o brilhantismo dela sumiu na tradução da versão
que li, ou se foi outra coisa, mas achei o livro ordinário em alguns pontos, e
considerei mesmo que as entrelinhas lidas pelos estudiosos sobre uma suposta
visão crítica da sociedade burguesa é que engrandeceram sua obra ao grande
público. Se lermos seu livro sem esta ideia prévia, no entanto, a história
parecerá mais um romance dramático, bem situado temporalmente, e só. Tem
personagens que me pareceram mais “rasos” que os dos clássicos brasileiros que
li recentemente.
O jeito da autora, de contar a história pelos diálogos entre
os personagens, por vezes é enfadonho, mesmo que possamos ver com algum prazer
a forma de pensamento vigente na época. Jane Austen (e o roteiro do filme
fortalece isto) viveu numa sociedade inglesa machista, quase de castas. Seus
fãs alardeiam que seus romances denunciam a situação oprimida da mulher daquele
tempo. Cá pra mim, acho até possível que se deduza isto, mas nas mais de 300
páginas deste romance, nem uma palavra foi dita sobre a condição dos criados,
independentes do gênero – infinitamente mais oprimidos. Sem discursos
inflamados de esquerda por aqui, mas é engraçado uma autora alardeada por sua
consciência política ter um lapso destes.
Edward Ferrars, é desculpado de sua rica vida de “dissipação”
de tempo e fortuna. A mesma sorte não têm aqueles com mesma conduta, se ousam
professar ou atirar-se a suas paixões, mas não mantém suas palavras e constância.
Amar é sublime e sensível, qualidades importantes, mas mudar de amor sem ser
forçado a isto é prova de falta de caráter. Ok, talvez aqui um resquício romântico,
entendo que era a literatura da época. O trabalho não enobrece, ao contrário,
quem o faz são os hábitos de leitura e dedicação às artes, assim como
caminhadas, discussões inteligentes e outros usos do tempo ocioso (que
delícia!).
Bom, para Emma Thompson, meus parabéns. Para Jane Austen,
ainda me resta o volume de “Pride and Prejudice” – isto mesmo, em inglês, que
pretendo ler em seguida, para quem sabem redimir a autora em meu conceito.
Frases selecionadas. Ao reler as páginas que marquei, achei
o restante chato, então ficaram só estas:
“Ele próprio (Edward) não era capaz de fazer justiça a si
mesmo; mas, tão logo conseguisse dominar a timidez seu modo de agir demonstrava
que tinha um coração aberto e afetuoso, que era inteligente e possuía uma
educação que lhe garantira um sólido desenvolvimento. Mas não apresetava a
menor habilidade nem disposição para corresponder aos desejos tanto de sua mãe
quanto de sua irmã, que sonhavam vê-lo tornar-se notável e importante por...nem
mesmo elas sabiam por quê. Queriam que ele tivesse destaque no mundo de um
jeito ou de outro. (...) Mas Edward não dava importância para grandes homens ou
caleches. Toda sua aspiração centrava-se em conforto doméstico e em uma vida
particular tranquila.”
“ – Uma mulher com vinte e sete anos – afirmou Marianne,
depois de pensar por um momento – jamais pode ter esperança de inspirar afeto.
Se sua casa for desconfortável e sua fortuna pequena, suponho que deva se
submeter a desempenhar as funções de enfermeira do marido a fim de garantir a
manutenção e segurança de sua vida como esposa. Casar-se com uma mulher nestas
condições nada teria de impróprio, mas seria um pacto de conveniências e o
mundo ficaria satisfeito. Aos meus olhos, no entato, este não seria um
casamento, de maneira alguma. Para mim, significaria apenas um contrato
comercial em que cada qual se beneficiaria à custa do outro.”
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