segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resenha Skoob - O Príncipe

Os fins justificaram os meios

27/08/2012

Tinha uma cota de pocket books para resgatar com meus pontos de fidelidade. Dentre os títulos, escolhi “O príncipe” de Maquiavel, pela curiosidade de ler um autor que virou adjetivo (“maquiavélico”) e ao qual se atribui a frase: “Os fins justificam os meios”. Outra menção a este título foi feita por FHC em uma de suas entrevistas para uma revista semanal, numa interessante alusão a seu período no poder e ao de seu sucessor.

“O Príncipe” parece ser um dos primeiros, senão o primeiro tratado de ciência política. Nele, o autor se baseia em experiências que pode observar, sobre os principados de sua época, e traça com base em seus exemplos as regras gerais que garantiriam a manutenção do poder e a coesão do estado político. Teve a oportunidade de discutir estados mais democráticos em outro texto, mas neste descreve principados em suas mais variadas formas, por hereditariedade, conquistados belicamente, adquiridos em acordos, etc.

É de sua escrita realista, sem floreios nem respeito à ética religiosa que surgem seus críticos, impingindo a sua autoria a ideia de que os fins justificam os meios. Na verdade, os fins destes críticos, que eram os de desacreditar este autor, justificaram os meios difamatórios. Não é dele a frase emblemática, e também não vi a defesa destas ideias com quaisquer outras palavras, ao menos não em “O Príncipe”.

Num texto protocolar, ilustrado de exemplos, organizado em tópicos como uma revisão moderna, elenca uma série de ideias que, por sua generalidade, aplicam-se ao longo do tempo a toda manutenção de poder, não só de um estado, mas de qualquer poder. Me lembrou muito o “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, e foi sem surpresa que soube que ele próprio tem o seu livro homônimo.

Frases selecionadas:

“Porque os romanos fizeram, nesses casos, tudo aquilo que os príncipes sábios devem fazer, os quais não somente devem atentar para os conflitos presentes, mas também aos futuros, impedindo-os com toda a habilidade, já que, prevendo-se o amanhã, facilmente os conflitos podem ser remediados; contudo, esperando que a ti se apresentem, não haverá mais tempo para a cura, porque a doença tornou-se incurável. E ocorre com isso o que os médicos dizem acerca da tuberculose, que, no princípio da doença, é fácil de curar e difícil de reconhecer, mas no progresso do tempo, não tendo sido no princípio conhecida e medicada, torna-se fácil de reconhecer e difícil de curar.”

“Precisava que Ciro encontrasse os persas descontentes com o império dos medas, e os medas moles e efeminados devido a uma longa paz.”

“De onde é de se notar que, ao tomar um Estado, deve o seu ocupador pôr em curso todas aquelas ofensas que lhe são necessárias fazer; e fazê-las todas de uma vez, para não ter que renová-las a cada dia e poder, sem variações, manter a população e governar para beneficiá-la. Quem faz de outro modo, ou por timidez ou por mau conselho, sempre necessitará ter o cutelo na mão e não poderá manter os seus súditos, nem podendo os súditos, pelas sempre renovadas injúrias, sentirem-se mantidos pelo ocupador. Porque as injúrias devem ser feitas todas juntas, a fim de que, mão saboreando-as menos, ofendam menos: os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, de modo que sejam bem saboreados.”
“Deve, portanto, um príncipe não fugir da infâmia de cruel para ter os seus súditos unidos e fieis, porque, com pouquíssimos exemplos, será mais piedoso do que aqueles que, por demasiada piedade, deixaram seguir as desordens, das quais nascem os assassinatos ou a rapinagem(...)”

“E há que se entender isso, que um príncipe, sobretudo um príncipe 
novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens são tidos como bons, sendo mesmo necessário para manter o Estado, operar contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. E também é preciso que ele tenha o ânimo disposto a mudar-se segundo o comando dos ventos da fortuna e as variações das coisas e , como acima se disse, a não abandonar o bem, podendo, mas saber entrar no mal, se necessário.”



sábado, 25 de agosto de 2012

Ceticismo


 (Wikipedia): A dúvida é um importante preceito cético. O ceticismo (português brasileiro) ou cepticismo (português europeu) (AO1990: ceticismo) (derivado do verbo grego σκέπτομαι, transl. sképtomai, "olhar à distância", "examinar", "observar") é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza absoluta a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de questionamento permanente e na inadmissão da existência de fenômenos metafísicos, religiosos e dogmas. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosófica originada na Grécia Antiga.

Ao conversar com todos, percebia-se em sua expressão algumas notas de tristeza. Nunca admitira, no entanto, uma visão amarga sobre a vida, por mais razões que tivesse para tal. Seu perfil apenas não era dado aos rompantes extremados da emocionalidade, evitando tanto a alegria desabrida quanto a negra tristeza ou desilusão. Sabia rir, e tinha dias difíceis como qualquer mortal, mas participava sua alma dessas atuações de maneira comedida e cautelosa.

Tinha sobre a humanidade um olhar cético, por vezes mordaz, de quem sabe no íntimo o que mobiliza as pessoas em suas decisões mais cotidianas. Suas experiências e leituras permitiram uma análise do contexto muito superior ao daqueles com quem dividia sua jornada. Como resultante deste talento preditivo, era vista por todos como um ser dotado de sabedoria.

Mas ao mesmo tempo sentia-se na maior parte do tempo sozinha. Não tinha para consigo a mesma clareza de avaliação que gozava ao olhar a vida alheia. Apesar de considerar esta condição bastante poética, faltava para si o alívio de consciência de que estavam autorizadas as outras pessoas. A ela não era tão fácil compartilhar uma experiência na proteção de uma amizade, pois raros eram os que podiam entrever seus motivos e questões com a devida profundidade. Não conseguia ver sentido nas fúlgidas férias da consciências geradas por alguma droga, o excesso de sono, de consumo, excesso de mundo.

Tampouco sentia-se livre para destruir na fogueira da exposição de suas fraquezas o ideal tão necessário às pessoas em seu entorno. Talvez soubesse que apesar de alcançar longe os detalhes da paisagem do espirito humano, não tinha destino diferente de nenhum de seus pares. Também a ela cabia a finitude, bem como um intervalo de vida solitária; ora bela a causar uma explosão interna de reflexões; ora horrível, a produzir a fuga para a caverna de sua resignação e impotência.


Resenha de "O crime do padre Amaro"


O crime do padre Amaro

Eça de Queiroz, deixa de lado os finais felizes românticos e engaja-se politicamente, num texto (que hoje seria explicito, quase ingênuo) de crítica ao fator político imposto pela igreja e seus representantes, ao mesmo tempo em que com maestria conduz uma história humana, de desejos e sua luta com convenções e proibições sociais.

Para mim, o ponto mais interessante foi este segundo. Se o envolvimento político do autor fica datado, baseado nas aspirações de uma geração que já foram provadas na história (embora alguns teimosos ainda se apeguem ao passado), a segunda fala da natureza humana, tema que está sempre ali na esquina, faz parte da vida de todos. O próprio autor, após pesadas críticas à religião, coloca no final do livro o abade, personagem que redime a classe e mostra a importância de uma vida espiritual - mesmo que mantenha que a religião nem sempre leve a este objetivo.

Mais um belo exemplar de nossa literatura: escrito com habilidade, com um ritmo bastante adequado, descrições só quando necessárias (e nesses momentos são viscerais, deliciosas).

Frases selecionadas:
“A S. Joaneira esperava no alto da escada; uma criada enfezada e sardenta, alumiava com um candeeiro de petróleo; e a figura da S. Joaneira destacava plenamente na luz da parede caiada. Era gorda, alta, muito branca, de aspecto pachorrento. Os seus olhos pretos tinham já em redor a pele engelhada; os cabelos arrepiados, com um enfeite escarlate, eram já raros aos cantos da testa e no começo da risca; mas percebiam-se uns braços rechonchudos, um colo copioso e roupas asseadas.”

“O pároco fechou a porta do quarto. A roupa da cama entreaberta, alva, tinha um bom cheiro de linho lavado. Por cima da cabeceira pendia a gravura antiga dum Cristo crucificado. Amaro abriu o seu breviário, ajoelhou aos pés da cama, persignou-se; mas estava fatigado, vinham-lhe grandes bocejos; e então por cima, sobre o teto , através das orações rituais que maquinalmente ia lendo, começou a sentir o tique-tique das botinas de Amélia e o ruído das saias engomadas que ela sacudia ao despir-se.”

“Na sua cela, havia uma imagem da Virgem coroada de estrelas, pousada sobre a esfera, com um olhar errante pela luz imortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-se para ela como para um refúgio, rezava-lhe a Salve-Rainha: mas, ficando a contemplar a litografia, esquecia a santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda moça loura; amava-a; suspirava, despindo-se olhava-a de revés lubricamente; e mesmo a sua curiosidade ousava erguer as pregas castas da túnica azul da imagem e supor formas, redondezas, uma carne branca...Julgava então ver os olhos do Tentador luzir na escuridão do quarto; aspergia a cama de água benta; mas não se atrevia a revelar estes delírios, no confessionário, ao domingo.”

“Amaro ouvia-a falar, com a cabeça baixa, olhando-a de lado; a sua voz naquele silêncio dos campos parecia-lhe mais rica, mais doce; o grane ar dava-lhe uma cor mais picante às faces; o seu olhar rebrilhava. Para saltar umas lamas tinha apanhado o vestido; e a brancura da meia, que ele entreviu, perturbou-o como um começo da sua nudez.”
“ – É natural, coitado – disse, já com a mão no fecho da porta. Que queres tu? Ele tem para as mulheres, como homem, paixões e órgãos; como confessor, a importância dum Deus. É evidente que há-de utilizar essa importância para satisfazer essas paixões; e que há-de cobrir essa satisfação natural com as aparências e com os pretextos do serviço divino... É natural.”

“Trinta em oito vezes de seguida recomeçara o rosário, e sempre o saiote escarlate se interpunha entre ela e  Nossa Senhora!...Então, desistira, de exausta, de esfalfada. E imediatamente sentira dores vivas nas pernas, e tivera como uma voz de dentro a dizer-lhe que era Nossa Senhora por vingança a espetar-lhe alfinetes nas pernas...
O abade pulou:
 - Oh minha senhora!...
 - Ai, não é tudo, senhor abade!
Havia outro pecado que a torturava: quando rezava, às vezes, sentia vir expectoração; e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com as fezes! Que havia de fazer?”

“ – Aí tem o abade uma educação dominada inteiramente pelo absurdo: resistência às mais justas solicitações da natureza, e resistência aos mais elevados movimentos da razão. Preparar um padre é criar um monstro que há-de passar a sua desgraçada existência numa batalha desesperada contra os dois fatos irresistíveis do Universo – a força da Matéria e a força da Razão!
 - Que está o senhor a dizer? Exclamou assombrado o abade.
 - Estou a dizer a verdade. Em que consiste a educação dum sacerdote? Primo: em o preparar para o celibato e para a virgindade; isto é, para a supressão violenta dos sentimentos mais naturais. Secundo: em evitar todo o conhecimento e toda a idéia que seja capaz de abalar a fé católica; isto é, a supressão forçada do espírito de indagação e de exame; portanto de toda a ciência real e humana...”