“Mentes Inquietas” e “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz
Barbosa Silva, chegaram a minha lista de leituras de um modo estranho. Estavam
numa pilha de livros que o proprietário original não julgou dignos de guardar
na estante. Foi meu primeiro aviso de que não eram tão interessantes, mas decidi
ignorá-lo, curioso para entender porque a autora se tornou best-seller.
Sempre acho que ao ler um livro popular, vou desvendar por
que fez sucesso. Acabei com algumas suposições, e algum desânimo também, que explico ao final.
A autora explica que as páginas visam trazer assuntos
médicos e técnicos a um público leigo, mas idiotiza este público. As
informações são rasas, cheias de dicas que considero ofensivas à inteligência
do leitor, dada sua obviedade:
Ao dar dicas de relacionamento: “Tente sempre se colocar na posição do
seu par. Lembre-se de que cada pessoa tem sua maneira de ser. Respeite o jeito
do outro para que você também possa ser respeitado.”
SÉÉÉRIO???E por ai vai, dando dicas para professores respeitarem e
terem paciência com as crianças, e outras informações nada valiosas. De onde
vem isto? Você já viu um médico considerar o público leigo incapaz de entender
algum assunto? Não, não acontece... Pois é, minha gente: a informação como
mecanismo de submissão.
Mas se é raso, ofende a inteligência do autor, por que “Mentes
Inquietas” fez sucesso e gerou uma sede da editora por mais pérolas da autora? Ora,
todo mundo pode lançar um livro mais ou menos, mas aprende com a experiência do
leitor, vai se desenvolvendo. Minha hipótese para este sucesso que desencadeou
novos livros é: porque somos uns mimados. Isso mesmo! Num mundo individualista,
em que os sucessos e fracassos são reputados ao indivíduo, sem considerar os
fatores externos intervenientes, é ótimo termos uma desculpa para nossas
dificuldades. Daí a formula mágica:
CRIAR IDENTIFICAÇÃO DO LEITOR COM O TEMA
Ana Beatriz escreve:
“De forma resumida, seguem algumas dicas que servem de auxílio para dar
o primeiro passo rumo ao diagnóstico de TDA (Transtorno de Deficit de Atenção) em
uma criança:
1) Com frequência mexe ou sacode pés e mãos, se remexe no assento, se
levanta da carteira (...)
2)É facilmente distraída por estímulos externos(...)
3)Tem dificuldade de esperar sua vez em brincadeiras ou em situações de
grupo (...)”
E por ai vai... 100% das crianças que conheço preenchem o
critério diagnóstico simplificado pela autora. E nós todos já fomos crianças –
assim... o primeiro objetivo foi atingido: criar identificação entre você e o tema.
Você se descobre um TDA incompreendido.
DESCULPAR NOSSAS FALHAS
Agora que intimamente me sinto TDA, descobrirei sobre interpretação
benigna da autora sobre o advento deste diagnóstico:
“Onde essa história se iniciou, não se sabe dizer; no entanto, a
mudança no “foco” da questão possibilitou retirar o TDA da esfera moralista e
punitiva e leva-lo para uma esfera científica e passível de tratamento. É isso
o que realmente importa.”
O que se seguirá é uma discreta indução, mostrando primeiramente
que as pessoas com TDA não têm realmente culpa por serem dispersas, por vezes
desorganizadas, impulsivas. Um depoimento deixa isto claro:
“Só saber que eu era TDA tirou uma tonelada de meus ombros. Eu não era
bagunçado porque queria ou porque era preguiçoso. Eu tinha dificuldades
concretas mesmo!”
Não cabe mais ao TDA trabalhar a disciplina ou regular seu
desejo, capacidade difícil para todos desenvolvermos, em maior ou menor grau. O
TDA foi declarado incapaz disto, precisa de medicamento! Pode sentar enquanto o
medicamento faz sua parte.
MOSTRAR NOSSOS PONTOS POSITIVOS
Agora que me sinto TDA, não me culpo por minhas
indisciplinas e dificuldades com impulsos (que afinal são fruto de um
determinismo biológico), posso agora olhar para o lado brilhante do TDA. A
autora mencionam em vários momentos a necessidade de não olharmos os TDAs com
uma postura julgadora e moralista, mas faz um julgamento moral no sentido
contrário. Na escolha dos depoimentos, os TDAS são figuras criativas, de ritmo
mais forte e maior perspicácia, diferentes dos medíocres normais:
“Costumávamos acampar com amigos até que resolvemos que seria melhor
viajarmos sozinhos, pois ninguém acompanhava o nosso ritmo.”(...)
Ou várias citações atribuindo aos TDAs uma chave extra para
as invenções do mundo. Há até uma lista de possíveis TDAs, como Einstein,
Fernando Pessoa, entre outros ilustres...
E O SEGURO DA AUTORA: INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS
Para não ofender seus iguais, a autora coloca uma serie de
relativizações, estas sim com fundamento teórico. Informa que o diagnóstico de TDA
depende de muita observação (igualzinho vemos
os psiquiatras fazerem antes de receitarem ritalina para crianças), que tudo é
uma questão de grau, e que somos mesmo mentes diferentes tanto genética quanto
no âmbito do comportamento.
Isso é verdade e claro no livro. Aliás, isto redime a
leitora, e utilizo isto aqui também. É lógico que há pessoas com dificuldades
fundamentais de concentração. O que não fica claro é a base ideológica para a decisão
médica de criar este critério diagnóstico. Estatística! É possível traçar uma
curva normal (normal para a estatística é o que é mais frequente) para os níveis
e atenção e capacidade para disciplinar nossos desejos imediatos, e quem sai da
norma é transtornado!
No “Mentes Perigosas”, encontramos uma autora mais à
vontade. Ela agora é famosa, e vai variando títulos e o assunto principal, mas
a formula se repete. Há a óbvia diferença de que não se pode empatizar os
leitores com psicopatas. Nesse caso, você ficará melhor como vítima desses
verdadeiros “lobos em pele de cordeiro”. Não há aqui um interesse em retirarmos
um olhar julgador sobre o fenômeno da diversidade genética. Aqui é possível considerar
esses “facínoras” como o mal personificado.
Se você foi prejudicado, não é porque estava indefeso ou lhe
faltava experiências para avaliar o comportamento do outro e evitar um golpe.
Claro que você nunca banca o bobo e é incapaz de se iludir! Afinal, você não
tem culpa de haver maldade no mundo. Os psicopatas são seres moldados pelos
seus objetivos pessoais e dispostos a tudo para obter o que querem. Nossa
sociedade é em parte culpada por não puni-los ou mesmo por valorizar o
individualismo, mas enquanto discutimos isto, eles estão lá, tramando pelos
seus objetivos.
O desânimo que senti ao lê-los? Li dois livros da autora
- para mim já deu. Como leitores somos ingênuos, e as editoras se aproveitam
disto. Num sucesso embarcam outros, enquanto alguns bons trabalhos permanecem
na fila de espera. A lógica não é a de cativar uma clientela com títulos de
qualidade. É só vender mesmo, e ainda o fazem com falhas de logística e
distribuição, basta ver a falta de títulos e a bagunça nas livrarias. Nosso
futuro reserva apenas livros em série, títulos sobre liderança e autoajuda?
Parem o mundo! Quero descer....