Recentemente,
tenho me dedicado a caminhadas longas. Um amigo me introduziu ao grupo, que
dedica algumas manhãs a caminhadas, que vão de 15kms a (por enquanto) 41kms. Nossas caminhadas estão registradas no blog http://osfortescaminhamconosco.blogspot.com.br/ .
Quando o
corpo atinge seu ritmo ótimo de funcionamento, a mente se equilibra. Com o
devido treino, você deixa de lado o que estava fazendo antes e o que fará
depois da caminhada, sintoniza com o entorno, mimetiza com ele, você não é mais
indivíduo: é natureza, fluindo pela estrada, passo a passo; é sangue, fluindo
pelas artérias a cada pulso; é silêncio que a tudo permeia, interrompido pelo ruído
de suas pegadas.
A caminhada
como transformação. Caminhar por horas tem claras vantagens além da prática
esportiva. O peregrino logo identifica a óbvia associação da caminhada de longa
distância como uma forma de uma meditação em movimento. Seu expoente cultural
máximo é simbolizado pela divulgação e prática dos caminhos de peregrinação –
dentre eles o mais famoso – o Caminho de Santiago de Compostela.
“Lendas do Caminho de Santiago” é uma
descrição de mitos cristãos, coletados por um estudioso da “Rota Jacobeia”
(Iacobus é a origem Latina do nome de Santiago). Uma sequência de histórias
associadas a monumentos, igrejas, pontes e pontos de interesse no caminho.
Seguindo a
apresentação objetiva do mito, há uma interpretação do autor, tentando extrair
algum ensinamento ou atribuir relevância ao mesmo. O autor tenta sugerir uma
unicidade simbólica entre os mitos. Como se o caminho e suas histórias tivessem
uma coerência, possivelmente de inspiração divina, que explicavam sua importância
e longevidade. Essa ideia interessante, provavelmente, é o que explica seus
anos de estudo e dedicação ao tema.
O resultado,
no entanto, ficou burocrático. Não cheguei a experimentar a unicidade proposta,
e algumas das histórias pareceram pueris, cansativas. É importante contextualizar que minha
espiritualidade não se traduz muito facilmente nesses referenciais, mas mesmo
assim me esforcei, procurando por alguma identificação com minhas experiências
de caminhada. Mesmo assim, não consegui ter forte interesse pelo conteúdo do
livro. Talvez escrito por um erudito em área tão especifica, tenha reduzido
seus raros leitores àqueles com referenciais semelhantes.
A menos que
esteja interessado em saber detalhes religiosos do caminho, não recomendo a
leitura, pois perde-se aquele frescor de uma experiência vivida. “A lenda de
Santa Orosia”, “o cajado de São Francisco”, “O gigante Ferragut”, “O castigo de
Santa Columba”, alguma dessas histórias tem raízes fortes para você? Se a
resposta for negativa como era para mim...talvez deva tentar outra coisa.
Com um tema
simbolicamente tão rico, não é de admirar que tenha sido objeto de ampla
literatura e produção cultural. Há guias, descrições de pessoas que fizeram o
caminho, dicas, etc. São experiências muito pessoais, mas gostosas de
acompanhar. Esbarrei por algumas já: desde uma leitura antiga de “O Diário de
um Mago”, que sinceramente foi prazeroso, mas deixou poucas marcas (há anos da
leitura) – até o contato mais recente, por acaso, do filme “The Way” (2010).
Uma
metáfora para a vida. O caminho de Santiago, imagino, faz-nos viver o presente
enquanto caminhamos por longos 800km, dia após dia. Em seu percurso, você com
sua persona: dedicará tempo a ela e suas necessidades? Seus medos? Ou
empreenderá a jornada ao desconhecido? Dá pra fazer tudo isso. Dá pra
hospedar-se em bons hotéis e fazer turismo, dá pra seguir apenas mais um clichê
cultural, dá pra carregar na mala contingências para quaisquer desconfortos.
Ao final,
você colhe o que plantou. Os méritos são concedidos com justiça. Como ao final de
uma sessão de cinema, de um período de embriaguez, ou da leitura de um livro,
há a difícil reconexão com a vida. O caminho verdadeiro, me disseram é esse que
inicia quando se termina a peregrinação.