Com uma coleção
completa de Sherlock Holmes dando sopa na minha casa, criei gosto pelas
histórias de detetive. Li e reli detetives ao longo da vida, tentando ainda
experimentar um pouco de Agatha Christie e Georges Simenon (gostei mais dos
livros dele do que dos dela). Estava
estabelecido meu apreço por esse gênero literário.
Mas não foi
isso que colocou “Sete de Paus” – de Mario Prata em minhas mãos. Escolhi este
livro da prateleira pela lembrança querida de textos do autor publicados em “O
Estado de São Paulo”. Publicação sempre divertida e inteligente, sem ranço de
formalismos.
O mestre
criado por Conan Doyle provavelmente não será nunca suplantado nas histórias de
mistério. Prata não queria mesmo rivalizar com outros autores. Ao contrário,
faz constantes homenagens, o que faz com que ele próprio se acuse de plágio de
várias frases de outros autores. Também faz citações muito bacanas de uma
coleção de leituras de policiais do mundo todo.
“A pistola dormia, com
aquele seu jeito de lagartixa fria” – Pepe Carvalho, de Manuel Vasquez
Montalbán
Uma zona
cinzenta entre o mundo dos honestos e o mundo do crime: o próprio personagem
principal é aficionado pelo gênero, e se arrisca a sugerir leituras para seu
vizinho escritor. Aparentemente, Mario Prata
gostou tanto de sua cria que a reviveu em mais um ou dois livros. Tem alguns
clichês de policial velhaco, experiente, sensitivo, mas ao mesmo tempo afeito à
bebida e às prostitutas.
“Sabe, o
trabalho policial é, em sua maior parte, rotineiro e chato, mas muito de vez em
quando surgem momentos bastante emocionantes, um encantamento quase infantil de
brincar com as alternativas. E eu adoro isso.
- É mais ou menos como escrever. O momento da
ideia. Quando você não está esperando nada e ela vem, plena, total, te
desafiando, te chamando para correr atrás dela. De certa maneira o meu trabalho
também é investigativo.”
Outra zona
cinzenta entre o policial e o escracho: enquanto relata o crime e seus
detalhes, usa notas de rodapé e situações inusitadas para expor ideias que
variam entre o divertido e o ridículo, mas que agradam no conjunto da obra.
“...Na cueca havia
mesmo uma marca marrom tipo freada de bicicleta. E isso havia acontecido porque
ele fez cocô fora de casa, no boteco das ostras onde havia ido com o Darwin e,
evidentemente, não havia bidê como em sua casa. Desviou um pouco o rosto e
deixou que o jato de água batesse ali.(...). Colocava do avesso e jato nela.
Mas agora ele percebeu que não estava do avesso e já iria avessar quando viu
que o jato havia limpado tudo. E chegou a uma conclusão que só um cinquentão
num domingo sem pressa pode atingir. Se tu não virar do avesso a cueca, o
serviço da água batendo ali é muito mais eficaz, pois penetrando nas entranhas
do algodão, empurra para o ralo a coisa que estava do lado de lá, ao contrário
de como vinha fazendo a anos com a cueca invertida.”
“De repente, gordo viu
um objeto fazer um risco intenso e luminoso. Era a luz quebrando-se na lâmina
viva. Na mão da (não cito o nome para evitar SPOILER), a navalha tornou-se
ainda mais leve, macia, diáfana.” (Inspirado em texto de Nelson Rodrigues)
“Acredite quem quiser,
o urologista do spa se chamava Bráulio (N.Rodapé: Doutor Bráulio De Brito, mais
de 70 anos; portanto, há uns cinquenta anos enfiando o dedo no reto dos outros.
Fazia aquilo com uma tranquilidade que chegava a irritar. Assoviando La vie en
Rose.”
Por fim, me
arrisco numa ideia. Acho que Mario Prata tem uma inteligência e volume de
leituras enorme, bem como uma invejável capacidade de síntese. Um cara cuja
biografia sugere um sujeito atormentado por sua capacidade de “ler” o mundo.
Por que então ele se dedica a brincar com seu talento destacado? Talvez tenha
feito isto em outro livro, desconfio que não. Acho que é porque prefere não se
levar a sério. Tem medo, ou não está à fim de se expor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário