domingo, 21 de junho de 2015

Todos os Elogios a Aluísio Azevedo

Lido na época dos "livros obrigatórios" do ensino médio, O CORTIÇO – de Aluísio Azevedo - não tinha me chamado a atenção. Ok, sejamos justos com a obra. Talvez eu tenha lido só algum resumo para passar na prova, pois hoje penso ser impossível passar por ele sem gostar. Desta vez foi uma leitura completamente nova, que diferença! Foi um verdadeiro prazer passar pelas páginas de "o cortiço", que passa para mim a ocupar honrosamente a posição de obra favorita da literatura nacional.


A Sensualidade das Lavadeiras de Carybé
Por toda a obra, é muito forte a capacidade de descrição do ambiente, onde os personagens se inserem de maneira natural. E o ritmo que consegue manter? Praticamente você não é capaz de se desgrudar do livro. Sempre acontece alguma coisa ou se introduz alguma figura interessante. São essas características, a meu ver, que fazem que O CORTIÇO seja tão indicado.

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite..."

Não é visceral? Você obviamente não quer a vida de exploração e privação desses personagens, mas sente como eles a intensidade de sua experiência e simplicidade. O gosto do café, o cheiro da roupa limpa, a delícia de ver a vida como criança, sem muito futuro, sem muita complexidade.

Para mim, uma das mais realistas e belas descrições da condição masculina:
"Jerônimo não precisou de mais nada para beber de um trago os dois dedos de restilo que havia no copo.

Sóbrio como era, e depois daquele dispêndio de suor, o álcool produziu-lhe logo de pronto o feito voluptuoso e agradável da embriaguez nos que não são bêbedos: um delicioso desfalecer de todo o corpo; alguma coisa do longo espreguiçamento que antecede à satisfação dos sexos, quando a mulher, tendo feito esperar por ela algum tempo, aproxima-se afinal de nós, numa avidez gulosa de beijos."

"Pombinha, impressionada pela transformação da voz dele, levantou o rosto e viu que as lágrimas lhe desfilavam duas a duas, três a três, pela cara, indo afogar-se-lhe na moita cerdosa das barbas. E, coisa estranha, ela, que escrevera tantas cartas naquelas mesmas condições; que tantas vezes presenciara o choro rude de outros muitos trabalhadores do cortiço, sobressaltava-se agora com os desalentados soluções do ferreiro.

Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em seu pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea.

(...)

Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto , que os infelizes, carregados de desonra e de ludibrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...
E surgiu-lhe então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.
Sorriu.
E no seu sorriso já havia garras."
(...)
E continuou a sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto fora posto no mundo simplesmente para servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar dela sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império, endeusada e querida, prodigalizando martírios que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.”
Uma única reserva – não com o conteúdo, mas com a edição antiga da Editora Ática, que é de baixa qualidade. Acho que o foco dessas obras indicadas para vestibular é que sejam baratas - então desmontou todinha na minha mão. Tem ainda um espaço entre linhas bastante pequeno e desconfortável.



Leitura fundamental! Devo ser louco de não ter lido mais nada deste autor, e pretendo remediar isto em breve! Qual deve ser o próximo?

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